JARDINS SECRETOS
Luísa Soares de Oliveira ( critic art )
2013- Nov.
 
Na obra de Ana Pimentel, a invocação do jardim tem sido uma constante. Desde praticamente o início da sua carreira que a pintora demonstra um fascínio evidente pela cor e pela forma da flor, que dispõe ora em pinturas de dimensões variadas, ora em mesas construídas pela "assemblage" de imitações de tecido. Coloridas e alegres, estas obras permanecem num universo tradicionalmente conotado com a mulher, e ligadas, pelo próprio processo de construção, a uma antiga tradição manual que permanece na nossa contemporaneidade.
 
Mas não só: Matisse, esse pintor da alegria, é uma referência que afloram sobretudo nas pinturas. Chamar-lhes pinturas pode, à primeira vista, parecer despropositado, já que estas obras procedem da colagem para se realizarem. Papéis coloridos, "stickers", autocolantes conjugam-se com uma série de objetos de proveniência diversa para construir o resultado final de cada obra. A pintura é aqui entendida como conceito, como referência presente numa contemporaneidade que parece já ter inventado quase todas as formas de a concretizar. Ana Pimentel sabe que, hoje em dia, a classificação das disciplinas artísticas opera com base nos suportes escolhidos, talvez porque a criativididade própria ao ser artista se exprime sem freios sobre esse mesmo suporte. A pintura, neste caso, consiste na imagem que se apresenta na tela. Mesmo quando essa imagem não é, à partida, fabricada pelo artista, mas recortada, colada, fotografada. 
 
Mas regressemos ao tema do jardim. Metáfora do Paraíso celeste, na Idade Média, ou lugar de encontro do sujeito com a sua intimidade através da mediação da natureza, o jardim possui essa capacidade tão rara nos dias de hoje de nos permitir o encontro com a beleza. Os jardins de Ana Pimentel, se não se constroem com a terra e as plantas que são habituais neste tipo de dispositivos, convocam os modos de representação do jardim que a sociedade de consumo dissemina. Os materiais de que a artista se serve podem ser encontrados facilmente no comércio, e a sua vulgarização merceria uma análise sociológica cuidada a realizar num âmbito diferente do desta exposição. Com efeito, nestas obras não encontramos qualquer posicionamento crítico em relação à sociedade urbana em que todos vivemos, onde tantas vezes esse encontro com a natureza apenas é possível através da mediação de uma imagem, ou mesmo de uma planta verde colocada no seu vaso ao canto de uma sala de estar… O processo de Ana Pimentel é, em tudo, oposto a esse: apropria-se da imagem, reutiliza-a na tela, na instalação, no desenho ou na fotografia, e exibe-a, sem a criticar, como signo poderoso dos meios de que dispomos para usufruir da beleza. 
  
Contudo, o jardim é também arquitetura e luz. O candeeiro, que conjuntamente com a instalação principal apresentada sobre tripés, ilumina parte da exposição..relembra que um jardim será sempre idealizado para um tempo perfeito, banhado pela luz brilhante de um dia de sol estival. Do mesmo modo, no decorrer dos tempos e dos estilos artísticos, a arquitetura paisagística obedeceu a normas que pretendiam submeter a natureza a um modo particular de representar o mundo. Ora perfeitamente geometrizada, como na época do classicismo francês, ora romântica e falsamente desordenada, como era hábito durante o romantismo (que não hesitava, por exemplo, em construir "ruínas" que suportassem e confirmassem a ficção de uma vegetação virgem e intocada pelo fazer do homem), essa natureza obedecia sempre, em primeira instância, ao trabalho do desenho de projeto que idealizava o espaço a ocupar pelo jardim. Um grande painel de desenhos, com os seus esboços sucintos de espaços perspectivados, parece fazer referência ao labor do arquiteto paisagista, e não só: a todas as representações pela pintura do espaço natural, ou melhor dizendo- à pintura de paisagem, e ao seu lugar de destino: um interior, casa ou museu, que a acolha e onde ela possa cumprir a sua função de janela para o mundo.

E, no entanto, como estamos distantes deste longínquo referente. Como ela nos escapa, essa pintura de paisagem, apenas acessível na obra de Ana Pimentel pela intermediação dos motivos florais criados pela sociedade de consumo e apropriados pela artista. Ana Pimentel transforma em arte o que não o é à partida, e isto principalmente porque nunca foi essa a intenção do técnico que criou estas flores de tecido ou os autocolantes com volutas em vinil. Existem obviamente outras referências na arte contemporânea feita em Portugal por mulheres que também se servem deste tipo de objectos para criarem: Joana Vasconcelos, por exemplo, ou Ana Vidigal são dois nomes que imediatamente nos vêm à memória. Significa isto que o trabalho eclético de Ana Pimentel se apoia numa linguagem partilhada por certas artistas, que têm em comum, para além das grandes diferenças entre elas, o processo de apropriação e reutilização de objectos pré-existentes.
Mas estes são os jardins secretos de Ana Pimentel. A alegria, a mesma alegria de que Matisse afirmou querer transmitir com a sua obra, é o que os distingue de todos os demais.